O dilema dos adolescentes ucranianos. Alistarem-se ou fugir?

por Cristina Sambado - RTP
Maksym Kishka - Reuters

A Ucrânia proibiu a maioria dos homens adultos de deixar o país na sequência da invasão em grande escala da Rússia, em fevereiro de 2022. Entrevistados pela agência Reuters, jovens ucranianos, familiares, oficiais de recrutamento do exército e funcionários apontam para um dilema sombrio que milhares de rapazes enfrentam, à medida que a idade adulta se aproxima: ficar ou partir?

À medida que a guerra caminha para o terceiro ano, a Rússia tem conquistado território e a Ucrânia está desesperada por reforçar as suas fileiras esgotadas e envelhecidas.

De acordo com os dados da União Europeia, mais de 190 mil rapazes ucranianos com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos registaram-se para obter o estatuto de proteção temporária nos países da União Europeia desde o início do conflito, entre milhões de pessoas que fugiram do país.Apesar de a idade de recrutamento militar da Ucrânia ter sido reduzida de 27 para 25 anos na primavera, há uma pressão crescente por parte dos aliados no sentido de recrutar mais jovens, uma medida que Kiev tem rejeitado.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse à Reuters na quarta-feira que a Ucrânia tinha decisões difíceis a tomar. “Por exemplo, é necessário trazer pessoas mais jovens para a luta, pensamos, muitos de nós pensamos, que é necessário. Neste momento, os jovens entre os 18 e os 25 anos não estão na luta”.

Segundo a Reuters, os militares ucranianos e o Ministério da Defesa não comentaram os pormenores do recrutamento.
Os casos de Roman Biletskyi e Andriy Kotyk
Um mês antes de completar 18 anos, Roman Biletskyi, natural de Kiev, deixou a família e embarcou num comboio rumo a oeste para escapar à Ucrânia e a qualquer perspetiva de lutar no seu país. “Era um bilhete só de ida”.

“Pensei que me iria arrepender se não fosse”, disse o adolescente, que estava com muitos receios à medida que se aproximava o 18.º aniversário. Biletskyi recordou os preparativos angustiantes da família para o pôr fora do país e fazer as malas.

“O tempo estava a passar”, salientou Biletskyi, que agora estuda gestão de empresas numa universidade em Bratislava, capital da Eslováquia. “Agimos sem qualquer emoção. Todos percebemos que eu tinha de ir.”

Svitlana Biletska, a mãe de Biletskyi, conteve as lágrimas ao recordar o momento em que se despediu do filho quando o comboio se afastou da plataforma da estação de Kiev, em fevereiro. No entanto, está determinada a que ele não regresse tão cedo.“Foi muito difícil tomar esta decisão, mas estou absolutamente confiante de que foi a correta, porque o que está em causa é que ele tenha um futuro. Não consigo ver como é que isso seria possível neste momento”.


No entanto, nem todos os adolescentes ucranianos tomaram a mesma decisão. Andriy Kotyk, pelo contrário, alistou-se no exército no início da guerra, em 2022, depois de ter feito 18 anos.

Em declarações à Reuters, o jovem de 21 anos, fardado e segurando uma arma automática, no seu posto na região de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, onde aguardava a reparação do veículo militar onde seguia após sobreviver a um ataque de drones, afirmou: “Pensei em tudo e decidi que me deveria alistar”.

“Eu pensei: vou defender o meu país, é melhor servir do que fugir”, acrescentou Andriy Kotyk.

Kotyk tinha acabado o curso de música antes de a guerra o obrigar a alistar-se no exército com quatro dos seus amigos. A sua introdução à idade adulta foi a participação na libertação da cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, em finais de 2022.

“As duas primeiras missões militares foram muito, muito assustadoras”, diz o soldado de infantaria, que tem agora 21 anos. “Depois habituei-me”.

Reconhece que a guerra o mudou profundamente - “livrei-me de pensamentos infantis” -, embora ainda tenha esperança de regressar à sua paixão de cantar, um dia, e de casar. Disse compreender porque é que muitos jovens decidiram deixar o país e não os quis julgar, embora o êxodo tenha sido surpreendente, porque os que ficaram para combater acabaram esgotados.

“Todos os rapazes estão muito cansados, todos precisam de ser substituídos”.A idade média dos soldados ucranianos não é conhecida. A embaixadora do Canadá no país afirma que é de 40 anos. No entanto, Kiev não divulga esses dados.

Alguns funcionários, incluindo o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, criticaram abertamente, na altura da escalada do conflito, os homens com idade para prestar o serviço militar obrigatório por viverem no estrangeiro enquanto os seus compatriotas lutam e morrem pelo seu país.

Segundo Volodymyr Davydiuk, um recrutador da famosa Terceira Brigada de Assalto em Kiev, os militares necessitam de mais jovens combatentes que possam trazer maior motivação e resistência à campanha.

“Lutar para um homem de 40 anos e para um jovem de 20 são coisas muito diferentes”, esclareceu.

A brigada Khartia, de Kotyk, está a tentar aumentar o recrutamento entre os homens mais jovens que estão a chegar a uma encruzilhada nas suas vidas, como acabar o liceu ou terminar a universidade.

Danylo Velychko, que trabalha no recrutamento da Khartia, disse que os jovens constituem apenas uma fração da brigada, sendo a idade média dos candidatos superior a 32 anos.
O preço do êxodo

A necessidade de mais pessoas não se limita às Forças armadas na Ucrânia, onde viviam cerca de 41 milhões de pessoas antes da guerra, que entretanto matou dezenas de milhares. A economia foi duramente afetada pelo conflito, com uma grave escassez de mão-de-obra, uma vez que os cidadãos vão para a linha da frente, as taxas de natalidade caem a pique e as pessoas fogem para o estrangeiro.

Os dados estatísticos apontam para que nos primeiros seis meses de 2024, tenham nascido na Ucrânia 87.655 crianças, menos de um terço do que as 132.595 registadas no primeiro semestre de 2021. Entretanto, quase sete milhões de ucranianos de todas as idades deixaram o país desde a invasão, segundo as Nações Unidas.

Kiev está a tentar impedir a partida de mais pessoas e a incentivar o regresso das que estão no estrangeiro. Na terça-feira, o Parlamento aprovou a nomeação de um vice-primeiro-ministro para chefiar um novo Ministério para a Unidade Nacional, que irá trabalhar em políticas para que os cidadãos regressem ao país.

O regresso não é uma situação fácil, com a Rússia a conquistar território na linha da frente, o sistema de energia da Ucrânia a ser destruído por mísseis e a incerteza em torno do futuro nível de apoio ocidental após a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas.

c/ Reuters
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